segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Café na Casa da Zuzu: conheça a história de Rui Spohr

Por Hildegard Angel

Enquanto o Museu da Moda não abre suas portas, toda última quinta-feira do mês, a Casa Zuzu Angel realiza em parceria com a Abepem, dirigida por Kathia Castilho, cafés com bate-papos para pesquisadores, estudantes, profissionais e interessados nas áreas da Moda, Memória e Conservação Têxtil. Na edição de outubro, tivemos a presença da historiadora Renata Fratton, que, na ocasião, falou sobre a história do grande costureiro gaúcho Rui Spohr.

Renata Fratton na edição de outubro do Café na Casa da Zuzu

A palestra de Renata foi um verdadeiro passeio sociológico pelo Sul do Brasil. Contando a história da Moda do Rui, ela foi além da Moda. Assim fazem os grandes pesquisadores! Eles vão ao cerne das profundidades. Renata iniciou com o Rui em suas origens interioranas, quando ele ainda se chamava Flavio, transportou-o para a grande capital, quando se transformou em Rui, e o levou para a França na trilha dos mestres da Moda dos anos 50. Foi lá que ele se especializou em chapelaria e, depois, em Moda, no curso da Chambre Syndicale, contemporâneo de Saint Laurent e Lagerfeld (no ano em que Rui entrou, eles tinham acabado de se formar). Alguns anos depois, Rui voltou para Porto Alegre com toda uma bagagem poderosa, equipada para desafiar a hegemonia da modista Mary Steigleder, que com sua madrinha na imprensa, a absoluta Gilda Marinho, mantinha a preponderância na Moda gaúcha. No entanto, o Rui, para fazer frente a todo esse poder feminino, precisou ele mesmo se tornar um jornalista de moda, e como "dessinateur" que era, passou a ocupar espaço em um importante jornal em que dava noções de estilo e de moda com dicas ilustradas por ele e as credenciais de quem acabara de chegar da capital da elegância do mundo. Paralelamente a isso, ele se manteve chapeleiro, até que a Gilda Marinho decretou em sua coluna poderosa que não se usava mais chapéu. E na gelada Porto Alegre as cabeças femininas se descobriram em 1954 (!). Enquanto isso, na Europa, nos Estados Unidos e nas telas de Hollywood, os chapéus continuavam a se trombar nos salões de chá, almoço e jantar...


Rui em 1949

Logo, Rui conseguiu furar o bloqueio e se firmou como grande estilista no Rio Grande do Sul, sempre com um olhar muito clássico e com vigor juvenil de quem desejava impor sua marca. Ele conseguiu a vitória de ser incluído, na década de 60, na seleção dos figurinistas da Rhodia, que fizeram para a empresa, juntamente com a Varig, aquela grande campanha internacional de moda inspirada em temas brasileiros. O time, na época, era composto apenas por homens.
Campanha da Varig, coleção Brazilian Nature

Rui se tornou o mais famoso costureiro do Rio Grande do Sul. Passou a vestir as mulheres das famílias mais importantes, como a família dona da RBS, os Sirotsky; a família Chaves Barcelos, de tradicional elegância; a família Silveira, de Gramado; a família Gerdau Johannpeter; os Maisonnave; entre outras mulheres que eram e são referência para todo o Sul do país.

Ele também vestiu Scila Médici quando jovem filha de militar, depois, em seu casamento e, por fim, quando primeira-dama, ele aceitou vesti-la sem cobrar por isso, pois ela alegou não ter dinheiro para lhe pagar. Então, os tecidos eram doados pelas fábricas e Rui presenteava o seu trabalho e o de seu ateliê. Quando ele foi a Brasília visitá-la, no entanto, apesar das facilidades do guia para lhe mostrar a cidade, Rui não conseguiu ser recebido por dona Scila, retornando a Porto Alegre sem ter visto a cliente da qual jamais cobrou sequer um tostão durante todos os anos de governo de seu marido e para quem produziu dezenas de vestidos, abrangendo as quatro estações de cada ano, as inúmeras solenidades, os vestidos de gala e os guarda-roupas das viagens oficiais.

Scila Médici, em uma de suas inúmeras aparições vestindo Rui Spohr

As caixas de roupas de dona Scila seguiam com um livrinho manuscrito por Rui, explicando como elas deveriam ser usadas, em que ocasiões, em que horários e temperaturas. Além disso, ele enviava com os vestidos, as meias, os sapatos, a bolsa, as luvas e o chapéu, compondo a toalete inteira da primeira-dama do país. Rui graciosamente contribuiu para formar e consolidar a ideia de que dona Scila foi uma primeira-dama elegante, discreta e bem-posta em todas as situações. O trabalho de marketing que ele fez através da Moda para aquele governo Médici não teve preço. A imagem bem-vestida, sóbria e recatada de dona Scila transmitia uma sensação de segurança da instituição familiar do primeiro casal do Brasil, que muito contribuiu para os objetivos dos governos militares. No entanto, o preconceito contra a Moda, então vista como instrumento de frivolidade e futilidade, com seus costureiros considerados “excêntricos”, provavelmente é o que teria impedido aquele governo militar de ver o óbvio e de tratar o grande estilista Rui com a mesma elegância com que ele vestia a mulher do ditador, convidando-o, assim, a entrar no Palácio da Alvorada. Renata Fratton não disse isso, muito menos Rui. Talvez sequer tenham pensado a respeito. Esta foi uma reflexão feita por mim, durante o bate-papo em que sempre se transformam as palestras na Casa Zuzu Angel.

Foi Rui quem lançou a atriz Lílian Lemmertz quando, em sua fase chapeleiro, a descobriu na Rua da Praia, em Porto Alegre. Caminhando na mesma rua, ele encontrou Lucia Curia e a lançou modelo junto com Lílian. As duas galgaram o estrelato: Lílian como grande atriz brasileira, Lucia como grande manequim da Maison Chanel e futura senhora Walter Moreira Salles. Além do conhecimento da Moda, Rui importou de Paris para o Brasil o Dia de Santa Catarina, em que a Santa protetora da Moda passou a ser devoção no setor. Ele viu na França que, no dia dela, aconteciam desfiles de Moda, pelas modelos chamadas de "catherinettes", sempre celebrando a santinha.

    Lílian Lemmertz de chapéu preto e estola de pele. Lucia Curia aparece na outra ponta, de blusa rosé.

A propósito da influência do personagem “gaúcho” e do folclore na Moda de Rui, isso não chegou a acontecer, mas ele incorporou essas tradições como cenário de alguns lançamentos, reforçando a sua identidade sulista. Por fim, voltando lá pra trás, para 1964, naquele ano, o figurinista da Rhodia que faria a noiva da coleção seria Rui. Ele inspirou-se, aí sim, em uma indumentária dos Pampas, o Poncho, criando uma noiva evocativa daquela região do país. Mas, tanto a noiva quanto o Rui foram vetados! A "Revolução" tinha acabado de acontecer, naquele momento brasileiro, os gaúchos e tudo o que se referisse a eles estavam na lista negra do Golpe. A ideia era fadar ao esquecimento total qualquer símbolo que fizesse lembrar Jango, Brizola, Getúlio, o trabalhismo, o legalismo e as forças populares.

Rui, em seu ateliê, em foto atual

Dóris, esposa e musa inspiradora de Rui, pintada pelo próprio, ao lado direito. Ele e ela formam o casal perfeito. Dóris sempre foi sua parceira na vida, na Moda e no trabalho.

Não deixe de comparecer nos próximos cafés! As histórias são sempre deliciosas. E o melhor de tudo: a entrada é gratuita. A delicadeza de quem contribui com a mesa do café levando um bolinho, um pãozinho, uma gostosura, é sempre apreciada. Em breve, o Instituto Zuzu Angel e a Abepem divulgarão mais informações sobre o próximo bate-papo, que acontece em novembro. Fica ligado na nossa página do Facebook. ;)

3 comentários:

  1. Justa e carinhosa homenagem para um dos maiores da moda brasileira. Rui Spohr merece todas as lembranças!

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  2. Respostas
    1. hi, não identifiquei Celina de Farias

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